sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A GUERRA DOS TÊNIS (REVISTA RUNNER'S BRASIL)

De um lado, com apoio do governo brasileiro, a Olympikus. Do outro, as principais marcas esportivas mundiais. A briga por esse bilionário mercado já pesa no seu bolso. E pode piorar !

Por Camila Fontana | Ilustrações Estúdio 1+2
Os preços dos tênis de corrida estão altos, certo? Pois prepare-se: se uma nova legislação de comércio exterior for de fato colocada em prática, trocar o principal acessório da corrida vai ficar ainda mais caro para os brasileiros. A escalada dos preços começou quando o governo determinou em setembro do ano passado uma sobretaxa provisória de 12,47 dólares a cada par de calçado vindo da China. A justificativa era que aquele país estava despejando no Brasil produtos a preços mais baixos que no mercado chinês, uma prática conhecida como dumping — considerada predatória e passível de retaliação pela Organização Mundial do Comércio. Em março deste ano, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) elevou a sobretaxa para 13,85 dólares e tornou-a definitiva.
As grandes marcas internacionais, como Nike, Adidas e Asics, conseguiram "driblar" a sobretaxa com um rearranjo logístico: intensificaram a importação de produtos de outros países e assim suavizaram o aumento dos preços por aqui. Mas a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados, cuja principal voz nessa questão é a marca Olympikus) voltou à carga e acusa os importadores de desviar produção da China para países como Malásia, Vietnã e Indonésia (a chamada "triangulação"), o que contraria as regras do comércio internacional. A associação exigiu que a sobretaxa fosse estendida também à mercadoria trazida dessas nações — pleito que foi atendido pela Camex em nova regulamentação em 17 de agosto. Para que a sobretaxa aos demais países seja aplicada na prática, entretanto, o governo precisa comprovar em uma investigação que a triangulação de fato existe. Nesse meio-tempo, as marcas internacionaistentam com audiências formais e lobby derrubar a medida.
Já aumentou
No geral, depois da sobretaxa chinesa, o reajuste para os tênis top de linha das principais marcas variou de 8% a 12%, o que se traduziu em 50 a 60 reais a mais por par para o consumidor final, de acordo com Renato Zimmermann, sócio-diretor da Bayard Esportes, rede de artigos esportivos com dez lojas na cidade de São Paulo. Para um corredor assíduo que troca de tênis a cada três meses, o gasto anual já aumentou em mais de 200 reais — uma conta que pode dobrar se a sobretaxa for de fato estendida a outros países. Os preços dos melhores tênis vão subir mais 50 a 70 reais por par, segundo Giovani Decker, vice-presidente da Asics no Brasil. Assim como todas as grandes marcas esportivas estrangeiras, a Asics afirma que o governo errou ao aplicar a sobretaxa antidumping aos tênis de alta tecnologia vindos da China e ampliaria o erro ao impor a multa a esse tipo de produto vindo de outros países. "Não se pode misturar calcado esportivo de performance com o normal. Categoricamente, no mercado esportivo não existe dumping", afirma Decker.
Mas o governo achou que a prática predatória existe e isentou da sobretaxa apenas sandálias de couro, chinelos de borracha, sapatilhas de balé, patins. Favoreceu até as pantufas, mas deu sinal vermelho aos tênis para prática de esportes. Não só isso: as autoridades agilizaram o processo para estender o imposto após a Abicalçados apresentar dados sugerindo que empresas estrangeiras mudaram a origem da mercadoria importada para evitar a taxação.
Segundo números da Secretaria de Comércio Exterior compilados pela Abicalçados, a Malásia, por exemplo, que de janeiro a julho do ano passado exportou menos de 12000 pares de calçados para o Brasil, já mandou quase 3 milhões de pares pra cá este ano (veja tabela). No caso da China, a exportação para o Brasil caiu de 17,6 milhões de pares para 7,2 milhões. Na opinião do presidente da Abicalçados, Milton Cardoso, esses dados indicam que exportadoras estão fraudando documentos de origem ou enviando da China calçados em partes para serem montados em outros países. No caso dos tênis de corrida, Cardoso, que também preside a Vulcabrá, maior fabricante de calçados esportivos da América Latina e dona das marcas Olympikus e Reebok, diz ter observado que a mercadoria que vinha predominantemente da China agora passou a vir principalmente do Vietnã.
Tênis de outros países que não a China ainda não foram sobretaxados como quer Cardoso porque a regulamentação necessária para colocá-la em prática só foi aprovada pela Procuradoria-geral da Fazenda Nacional em 17 de agosto. A aprovação aconteceu duas semanas depois de uma reclamação em praça pública do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, contra o colega da Fazenda, Guido Mantega. Quando questionado sobre o prazo para a regulamentação da lei contra triangulação, Jorge disse: "Não há previsão porque depende de outro ministério. Se fosse do nosso ministério, já teria sido aprovada. Eu já falei com o ministro e se vocês puderem fazer mais um pedido ao Mantega seria ótimo, porque nós precisamos disso".
O ministro Jorge provavelmente não se referia a você, valente corredor que fica mais pobre a cada troca de tênis, mas a Abicalçados garante que, desde que a sobretaxa antidumping foi aplicada contra a China em caráter provisório em setembro de 2009, as fabricantes brasileiras de calçados criaram 60000 novos postos de trabalho, sem contar as vagas geradas na cadeia produtiva que inclui curtumes, tecelagens e fábricas de maquinário e borracha.
A medida antidumping, no entanto, não foi bem-vinda por outras empresas brasileiras de material esportivo, como Cambuci (dona da Penalty) e São Paulo Alpargatas (detentora das marcas Topper e Rainha e revendedora da Mizuno), que também trazem mercadoria da Ásia. A São Paulo Alpargatas entrou com uma ação no Supremo Tribunal de Justiça contra a cobrança da sobretaxa ao calçado chinês. Não se acha representada pela Abicalçados, que apresentou a petição denunciando o dumping.


Todos contra a Olympikus
Como era de esperar, as marcas estrangeiras fazem coro com a Alpargatas no questionamento do papel da dona da Olympikus. A Vulcabras "é a única empresa beneficiada pela tarifa", afirma Decker, da Asics, acrescentando que as marcas estrangeiras também colaboram para o emprego no país porque contratam a produção de tênis, roupas e acessórios de empresas terceirizadas como Pettenati Indústria Têxtil e Paquetá Calçados, ambas do Rio Grande do Sul. Perguntado sobre o impacto da sobretaxa antidumping nas vendas da Olympikus, Cardoso disse: "Quando você concorre com algumas empresas que usam práticas desleais de comércio e o governo coloca uma medida que as impede de praticar irregularidades, você passa a ser mais competitivo".
Apesar de todas as batalhas perdidas até agora, as marcas estrangeiras avisam que não vão jogar a toalha — e agora contam formalmente com aliadas nacionais para tentar convencer o governo a reverter a punição aos tênis esportivos. Nike, Adidas, Asics, Puma, New Balance, Skechers, Penalty/Cambuci e São Paulo Alpargatas divulgaram em 25 de agosto a formação de um grupo que vai tentar retomar as negociações com o governo, com o objetivo de isentar o calçado esportivo de alta tecnologia da medida antidumping ou reduzir a taxa cobrada.
Segundo representantes das multinacionais, uma parcela expressiva dos tênis vendidos no mercado brasileiro é fabricada aqui, mas os modelos de alta performance só são produzidos em um punhado de fábricas na Ásia por questões tecnológicas e de escala, o que significa que toda a produção de determinado modelo de ponta é concentrada em uma ou duas unidades no mundo para minimizar o custo de uma mercadoria cara por natureza. Pelas contas da Adidas, o mercado brasileiro consumiria até 10 milhões de pares de tênis de alta performance por ano. Segundo o diretor de marketing Rodrigo Messias, a intenção da Adidas e das outras marcas do grupo é batalhar pelo fim da taxa antidumping sobre os tênis que custam acima de 400 reais para o consumidor. "A gente ficaria contente em segmentar por calçado esportivo de alta performance porque o calçado esportivo normal todo mundo fabrica aqui", afirma Mario Andrada e Silva, diretor de comunicação da Nike para a América Latina.
Como moeda de troca, as multinacionais estão dispostas a negociar com o governo a transferência de mais produção (e empregos) para o Brasil. O novo grupo formado pelas marcas esportivas internacionais e nacionais tenta iniciar as conversas com as autoridades num momento em que o governo prepara as investigações para definir quais países além da China sofrerão a sobretaxa. O setor corre contra o tempo para impedir que a extensão da sobretaxa atrapalhe a importação de mercadoria destinada às vendas de Natal.
Se o governo não voltar atrás, a alternativa para os corredores é comprar tênis de preço e qualidade inferiores ou dar um jeito de trazer o produto de ponta do exterior. Segundo a Bayard Esportes, enquanto o número de praticantes de corrida aumenta de 15% a 20% ao ano, as vendas de calçados para essa modalidade ficaram estacionadas desde a aplicação da sobretaxa, num sinal de que a demanda está sendo suprida por material vindo de fora. "Nosso cliente viaja, até para correr maratonas, ou alguém do seu círculo viaja", explica o sócio-diretor Zimmermann, acrescentando que as medidas do governo podem afastar empresas de artigos esportivos com pouco tempo de operação no país.
"Algumas marcas mais recentes estão repensando a viabilidade delas no Brasil."As marcas consolidadas claramente não irão embora do Brasil de mala e cuia, mas estudam reduzir a variedade de produtos no mercado nacional porque os consumidores estão rejeitando os preços mais elevados resultantes da tarifa antidumping. "O que não queremos como marca é nos distanciar do corredor high performance. Eu não posso sair desse mercado, mesmo perdendo dinheiro. Mas em vez de trazer dez modelos eu posso só trazer sete. O mercado não suporta um aumento de preços da nossa parte", afirma Messias, da Adidas.

FONTE: REVISTA RUNNER'S BRASIL

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